Patrícia Tavares Raffaini

Monteiro Lobato recebia muitas cartas e bilhetes de leitores de todas as idades, mas tinha um apreço especial pela opinião que as crianças emitiam sobre seus livros. Provavelmente, isso ocorria desde a publicação de sua primeira obra, como vemos no anúncio veiculado em abril de 1921, pelo jornal O Correio Paulistano. A propaganda feita em página inteira traz alguns comentários feitos pelas crianças leitoras sobre Narizinho Arrebitado.

Nas respostas que enviava a seus leitores, podemos perceber como tinha um carinho especial por essa correspondência. Em uma carta que enviada a um jovem leitor chamado Gilson Maurity, que voltava a escrever depois de vários anos, ele revela: “Tenho aqui todas as suas cartinhas de menino, como as de todos quanto me escreveram e me escrevem. Centenas, e muito preciosas”. Durante sua vida, Lobato reuniu e conservou mais de trezentas cartas que recebeu de seus leitores mirins, e que antes de se mudar para a Argentina, em 1946, deixou sob a guarda da amiga Marina Andrada Procópio de Carvalho.

Muitas vezes, os leitores não sabiam seu endereço e no envelope escreviam somente “Monteiro Lobato? Ou então indicavam o endereço da editora de seus livros, da livraria onde o livro fora comprado ou ainda um: “onde ele estiver…” Mesmo com informações tão precárias, as cartas conseguiam chegar ao destinatário, como podemos ver pelos envelopes guardados pelo escritor.

Envelopes enviados para Monteiro Lobato. Arquivo IEB, USP,
Fundo Raul de Andrade e Silva, Dossiê Monteiro Lobato

A correspondência que mantinha com seus leitores era para o escritor um termômetro, uma forma de sentir como seus livros eram recebidos, o que os leitores mais gostavam e o que não havia tido muito sucesso. Pelas cartas podemos perceber que, muitas vezes, as opiniões dos leitores modificaram a escrita de Lobato. Narizinho Arrebitado é um desses casos. Nas primeiras versões de Narizinho Arrebitado, a narrativa terminava como se a aventura no Reino das Águas Claras fosse somente um devaneio: “Que pena! Tudo aquilo não passara de um sonho….”

Utilizando essa fórmula, Lobato se aproximava de outros autores infantis, como Lewis Carrol, em Alice no País das Maravilhas. O escritor, empregava o sonho como forma de passagem do mundo onírico, da fantasia, ao mundo real dos personagens. Mas, ao que parece, as crianças não gostavam muito dessa saída. Assim, nas edições que sucederam a primeira edição, Lobato fará várias alterações, testando aos poucos e assumindo o mundo da imaginação como real, possibilitando aos leitores um mergulho sem restrições na fantasia plena de suas narrativas. Assim, na edição de Reinações de Narizinho, de 1931, o autor já não usava mais subterfúgios para criar uma literatura baseada na imaginação.  Pelo que parece a opinião dos leitores infantis teve poder de modificar suas narrativas. 

Carta e envelope de Maria Eugênia Alvim Duarte a Dona Benta. 
Arquivo IEB, USP, Fundo Raul de Andrade e Silva, Dossiê Monteiro Lobato.

Carta de Alariquinho a Monteiro Lobato, c. 1929. 
Arquivo IEB, USP, Fundo Raul de Andrade e Silva, Dossiê Monteiro Lobato.

Carta de Flávio Lange. 
Arquivo IEB, USP, Fundo Raul de Andrade e Silva, Dossiê Monteiro Lobato.

Os comentários dos leitores não só ajudaram a modificar o que já havia sido escrito como, muitas vezes, sugeriram novas possibilidades para as histórias infantis.  E era o próprio escritor que, por meio das cartas, estimulava essa forma de interação, como vemos em uma missiva escrita em 1929:

“Faço questão de receber outras cartas do amigo íntimo, dando-me ideias para os meus livros, mas cartas inteirinhas escritas por ele, sem que papai ou mamãe metam o bedelho ou consertem as ideias do amigo. Os amigos íntimos dizem tudo o que pensam e não pedem opinião a ninguém.”

Monteiro Lobato não só aceitou opiniões e ideias para novas aventuras de seus leitores, como os transformou em personagens de suas narrativas. A primeira vez que isso acontece é na obra Circo de Escavalinhos, na qual várias crianças leitoras são convidadas para a apresentação circense que aconteceria no Sítio. Os convites haviam sido enviados para as crianças de maneira tão inusitada que mereceram uma ilustração de Belmonte. Assim como a chegada de um dos convidados – Alariquinho, que  vai ao Sítio em um aeroplano. As crianças convidadas, em sua maior parte filhas de amigos de Lobato, contracenam na obra com os personagens dos contos de fadas, como o Gato de Botas, Cinderela, Branca de Neve, Aladim e Peter Pan.

Desenhos de Belmonte para Circo de Escavalinhos, 1929.
Acervo Magno Silveira.

Nas edições posteriores de Circo de Escavalinhos, Lobato muda o texto e retira os leitores, deixando somente os personagens dos contos de fadas em visita ao Sítio. Volta a utilizar esse recurso em outras obras, no entanto, como Caçadas de Pedrinho e O Picapau Amarelo. Nestas temos vários leitores indo ao Sítio na esperança de viver uma das aventuras com os personagens. 

Coube à leitora Maria de Lurdes, ou Rãzinha, como é chamada pela Emília, um dos papéis mais notáveis de toda a obra de Lobato. Na obra A Reforma da Natureza, a bonequinha escreve à leitora convidando-a a reformar a natureza. A leitora aceita o convite e, chegando ao Sítio, se põe junto à boneca a transformar coisas e animais. Ao ler as cartas, notamos que muitas das transformações sugeridas pela Rã como personagem no decorrer do livro foram de fato dadas a Lobato por meio da correspondência da leitora com o escritor. Imaginem só poder se tornar um dos personagens de seu escritor favorito e ainda colaborar com história que ele escreve… Que sorte teve a Rãzinha!

Capa de A Reforma da Natureza, 1941.
Ilustração de Belmonte. Acervo Magno Silveira.

Monteiro Lobato e netas de Godofredo Rangel.
Belo Horizonte, 1946. Acervo Iconographia.